Com histórico de cheias em Alagoas, estado aprendeu a recomeçar do zero
Estado sofreu grandes cheias em 1949, 1969, 1989, 2000 e 2010.
Desaparecidos, mortes, cidades devastadas e traumas se repetem.
Natália Souza
Do G1 AL
Alagoas sofreu, nas últimas décadas, segundo registros da Defesa Civil, com um ciclo regular de enchentes que devastou famílias, encobriu cidades, arrasou patrimônios públicos e privados e modificaram vidas. Curiosamente, uma cheia a cada 20 anos.
O estado é banhado por lagoas, rios, lagos, açudes e mares. Da água as famílias retiram o sustento, impulsionam a economia local, amenizam estiagens. Mas, o mesmo líquido que é fonte de vida, quando em grande quantidade e somada a chuvas torrenciais, vira um tormento. A primeira de grande magnitude é datada de 19 de maio 1949, durante a semana Santa, quando houve chuvas ininterruptas durante quase 36 horas.
A capital alagoana foi alvo de uma enxurrada após a cheia do Riacho do Salgadinho, também chamado de Rio Reginaldo, que destruiu a barreira do Poço, uma ponte de mesmo nome, a linha férrea, a rede elétrica e derrubou o farol, que ficava localizado próximo à Escola Técnica de Maceió.
Embora fosse uma criança de quatro anos naquela época, Oséas Barbosa, hoje aposentado, lembra os momentos de caos na cidade.
“Eu estudava em uma escola pública do Centro. Lembro que começou a chover e não parou por quase três dias. Houve desabamentos, principalmente na região do Poço, Centro e Farol. Quando uma barreira desabou próximo à Escola Técnica, houve registros de pessoas desaparecidas e mortas. Na minha escola, dois irmãos, uma menina e um menino, filhos de italianos perderam os pais na catástrofe, isso ficou na minha memória até hoje”, lembra.
Mortes em São José da Laje
Passados 20 anos, em 14 de março de 1969, uma nova enchente atingiu o estado, principalmente os municípios e povoados da região do Vale do Mundaú. Segundo registros da Defesa Civil, uma das cidades mais atingidas foi São José da Laje, localizada a 100 km de Maceió.
Além de uma cheia com forte correnteza, a enchente aconteceu à noite, o que dificultou ainda mais a tentativa de fuga da população. Somente dentro do galpão da Usina Serra Grande, cerca de 300 trabalhadores que haviam passado o dia confraternizando, foram surpreendidos com a cheia e morreram afogados.
Em uma época em que a comunicação ainda não era avançada no estado, e a Defesa Civil não possuía grandes aparatos tecnológicos como nos dias atuais, até a contagem de desaparecidos e mortos ficava comprometida. Muitos dos registros e acervos de imagens da época só existem graças aos veículos de imprensa, principalmente jornais impressos e rádios, que atualizavam a sociedade alagoana, serviam de "porta voz" de órgãos públicos como cartórios, hospitais, prefeituras e governos, policias, entre outros.
Vinte anos mais tarde, no ano de 1989, o quintal da dona de casa Josefa Batista Gurgel, hoje com 83 anos, nunca mais foi o mesmo. Após a cheia que atingiu a cidade de Santana do Mundaú no final da década de 80, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), instalou réguas pluviométricas parar marcar o nível da água do Rio Mundaú, que praticamente corta o quintal da residência, localizada na Rua General Batista Tubino.
Diariamente, a filha dela, a professora Jaciária Batista Gurgel, 46, anota as medidas do nível do rio e uma vez por mês envia os dados Serviço Geológico do Brasil (CPRM), em Recife.
“Eles instalaram e ensinaram como fazer a medição. A nossa casa fica na beira do rio e é uma das primeiras atingidas nas cheias. Eu recolho as medidas às 7h e às 17h. Os técnicos ensinaram que o limite perigoso é acima de dois metros. Nas últimas enchentes o rio chegou quase a quatro metros”, contou à reportagem do G1.
Foi pela régua no quintal da casa que dona Josefa previu que a força da água chegaria à cidade em 2000 e 2010. "A de 89 ninguém esperava. Foi muito rápido. A minha casinha era de taipa, depois fizemos essa de alvenaria, mas fomos atingidos por outra enchente em 2000. Só que a pior foi em 2010. Não deu tempo de salvar nada, só deu tempo mesmo de sair de casa e subir para um lugar mais alto, perto da igreja da cidade. Quatro dias depois, quando a água baixou, voltei. Se eu tivesse dinheiro para ir para outro local eu iria, mas como não tenho, fico aqui".
As enchentes de grande magnitude que aconteciam a cada 20 anos no estado de Alagoas foram encurtadas para um período de 10. Depois de 89, outras duas grandes em 2000 e 2010 marcaram a população alagoana.
Neste período, uma enchente pequena aconteceu em abril de 1992. Neste ano, um dia depois da cheia, a professora Josefa Maria de Lima Silva, 49, entrou em trabalho de parto em Santana do Mundaú. Com estradas destruídas, hospitais interditados e a cidade debaixo de lama, ela deu à luz José Orleandson de Lima no gabinete da prefeitura.
"O único local que não estava inundado era a prefeitura, que ficou funcionando como hospital, não só para realização de partos, mas para tratar outros problemas, como o surto de cólera que houve devido à enchente", conta a professora.
Hoje, o filho fala do assunto com bom humor. "Todo mundo brinca que eu nasci na prefeitura e devo virar prefeito. Acho engraçado. Em 2010 eu presenciei a enchente e vi como é assustador. Do mesmo jeito que me ajudaram a nascer, participei de trabalho comunitário após a cheia há quatro anos.
Em 2000, segundo a Coordenação da Defesa Civil, a enchente deixou 70 mil desabrigados em 26 municípios. Entre as cidades que registraram o maior número de vítimas estão Matriz de Camaragibe, com 15 mortos. Em seguida vem Passo de Camaragibe, São Luís do Quitunde e Rio Largo, com cinco mortes cada uma. Maceió e União dos Palmares registraram cada uma duas vítimas, enquanto Satuba teve uma vítima. Oito pontes na Região Norte ficaram destruídas, deixando todos os municípios sem acesso à capital por terra.
Fonte: http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2014/06/com-historico-de-cheias-em-alagoas-estado-aprendeu-recomecar-do-zero.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário