A
trama do golpe
Um
julgamento inédito na história brasileira
Pela
primeira vez, um ex-presidente da República senta no banco dos réus do Supremo
Tribunal Federal acusado de crimes contra a democracia.
Jair
Bolsonaro (PL) é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o
líder de uma organização criminosa armada que tentou subverter o resultado das
urnas, dar um golpe de Estado e se manter no poder mesmo com a derrota nas
eleições de 2022.
Ao
seu lado, outros sete acusados (civis e militares de alta patente) enfrentam o
mesmo julgamento. Todos os denunciados negam participação na tentativa de golpe.
“Um
chefe de Estado detém uma capacidade singular de influenciar a opinião pública
e mobilizar parcelas da sociedade. Dessa forma, suas declarações, especialmente
quando hostis e desprovidas de base factual, transcendem o campo da crítica
legítima e adquirem caráter de incitação e de desestabilização da democracia.”
[Paulo Gonet]
Segundo
a Procuradoria, Bolsonaro liderou o núcleo crucial do golpe de estado, voltado
a desacreditar o sistema eleitoral, incitar ataques a instituições democráticas
e articular medidas de exceção. O ex-presidente, afirma a PGR, era o principal
beneficiário dessa organização.
Os
5 crimes pelos quais Bolsonaro responde
2021
Segundo
a PGR, a escalada golpista começa em julho de 2021.
JULHO
DE 2021
Live
com fake news sobre urnas
No
dia 29, Bolsonaro aparece em uma transmissão ao vivo ao lado do então ministro
da Justiça, Anderson Torres, para apresentar supostos indícios de fraude nas
eleições — acusações baseadas em informações falsas, fornecidas pelo então
chefe da Abin, Alexandre Ramagem.
SETEMBRO
DE 2021
'NÃO
MAIS CUMPRIRÁ' ORDENS DO STF
Pouco
mais de um mês depois da live contra as urnas, as comemorações da Independência
no 7 de setembro viram palco de ataques diretos ao STF.
Em
Brasília e São Paulo, Bolsonaro ameaça o ministro Alexandre de Moraes – que
havia determinado a prisão de bolsonaristas em investigação sobre atos
antidemocráticos – e insinua ruptura institucional. A Polícia Federal descreve
o uso de ''modus operandi de milícia digital'' para amplificar o discurso.
''Sai,
Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. Deixa de oprimir o povo brasileiro,
deixe de censurar o seu povo. Mais do que isso, nós devemos, sim, porque eu
falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em
liberdade. Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes,
esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele
tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não
existe mais.''
Jair
Bolsonaro, em discurso na Avenida Paulista
2022
Reunião
ministerial e com embaixadores.
5
DE JULHO
Em
reunião ministerial, Bolsonaro discute estratégias para impedir a vitória do
PT. O vídeo do encontro foi achado no computador do tenente-coronel Mauro Cid,
ajudante de ordens de Bolsonaro durante o governo.
O
general Augusto Heleno fala em virar a mesa antes das eleições, e Bolsonaro é
explícito: ''Vai ter um caos no Brasil se o PT vencer.''
18
DE JULHO
Bolsonaro
reúne embaixadores no Palácio da Alvorada para repetir acusações sem provas
sobre o sistema eletrônico de votação.
Após
1º turno: sem fraude comprovada
Em
4 de outubro, dois dias após o 1º turno, o tenente-coronel Mauro Cid troca
mensagens com o coronel Sérgio Cavalieri, militar acusado de participar do
núcleo que espalhou fake news sobre o sistema eleitoral.
Cid
confirma que não houve fraude, mas segundo a PF a narrativa pública contrária
ao sistema é mantida com a utilização de influencers, militares e o Partido
Liberal (PL).
No
2º turno, PRF dificulta votação no Nordeste
A
PGR afirma que, no 2º turno da eleição, a organização criminosa voltou a agir
para prolongar a permanência de Bolsonaro no poder.
Regiões
onde Lula teve mais votos no 1º turno foram mapeadas, e a Polícia Rodoviária
Federal foi acionada para dificultar o acesso às urnas.
Minuta
do golpe 'dentro das quatro linhas' e plano para matar Lula, Alckmin e Moraes
1º
DE NOVEMBRO
Começam
os acampamentos golpistas em frente a quartéis, com faixas pedindo intervenção
militar e prisão de ministros do STF.
O
general Mário Fernandes, então secretário-executivo da Presidência, visita
acampamento em Brasília e tira selfies no local. Os registros se repetem ao
longo dos dias. Mauro Cid orça custos para levar mais manifestantes para os
acampamentos.
9
DE NOVEMBRO
No
Planalto, o general Mário Fernandes produz o documento Punhal Verde e Amarelo,
que detalha plano para sequestrar ou matar Alexandre de Moraes, Lula e Alckmin.
12
DE NOVEMBRO
Militares
se reúnem na casa de Braga Netto para discutir o assassinato de autoridades.
19
DE NOVEMBRO
Uma
minuta de decreto prevendo novas eleições e a prisão de ministros do STF é
apresentada a Bolsonaro, que pede ajustes. Versões do documento foram
encontradas na sala de Bolsonaro no PL e na casa de Torres.
CERCO
A MORAES
Integrantes
do grupo do Exército visitam locais descritos na operação para matar
autoridades, como a região do apartamento do ministro Alexandre de Moraes, e
monitoram a agenda do ministro.
22
DE NOVEMBRO
PL
pede anulação dos votos do 2º turno, sem apresentar prova nenhuma; Moraes
aplica multa de R$ 23 milhões.
26
DE NOVEMBRO
A
PF relata que Mauro Cid ajusta o teor e a forma de divulgação da carta
golpista.
Em
troca de mensagens, Cid é questionado, por um militar que chama Bolsonaro de
'01', se o então presidente sabia do conteúdo e responde que sim.
Em
depoimento à PF, dentro de um acordo de delação premiada, Mauro Cid também foi
perguntado se Bolsonaro sabia da minuta e fez que sim com a cabeça. Cid afirmou
também que viu o ex-presidente editando o documento.
6
DE DEZEMBRO
No
Planalto, Mário Fernandes imprime o plano de assassinato. Bolsonaro e Mauro Cid
estavam no palácio no mesmo horário.
7
DE DEZEMBRO
Bolsonaro
apresenta minuta de decreto golpista ao ministro da Defesa e aos comandantes do
Exército, Freire Gomes, e da Marinha, Almir Garnier.
O
texto previa estado de sítio ''dentro das quatro linhas'' da Constituição. O
termo era usado com frequência por Bolsonaro para tentar dar ares de legalidade
aos atos dele de ataque ao Estado democrático de Direito.
Os
comandantes do Exército e da Aeronáutica se posicionaram firmemente contra a
proposta e se recusaram a assinar o documento. Segundo a PF, a trama golpista
não foi adiante por falta desse apoio.
Em
depoimento ao STF, em maio de 2025, o então comandante da Aeronáutica confirmou
que Bolsonaro participou do plano para permanecer no poder e disse que o então
chefe do Exército ameaçou prender Bolsonaro se continuasse com o golpe de
estado.
9
DE DEZEMBRO
Em
live, o presidente rompe o silêncio:
"E
hoje estão vivendo um momento crucial. Uma encruzilhada. Um destino que o povo
tem que tomar. Quem decide o meu futuro, pra onde eu vou são vocês! Quem decide
para onde vão as Forças Armadas são vocês!"
Jair
Bolsonaro
No
dia seguinte, o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira,
divulga nota dizendo que ''embora não tenha apontado, também não excluiu a
possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas
eletrônicas''. Segundo a PF, o relatório foi divulgado com atraso a pedido de
Bolsonaro.
Operação
para prender ou matar Moraes
Celulares
que integrariam o grupo da operação batizada de Copa 2022 se deslocam. Um deles
passa por ''locais de interesse da ação'', segundo a PF, incluindo a residência
funcional do ministro Alexandre de Moraes.
Ao
menos 6 integrantes 'Kids Pretos' — militares de elite do Exército — se posicionaram
em vários pontos de Brasília. De acordo com a investigação, a operação foi
abortada porque a cúpula do Exército não aderiu ao golpe e a sessão do STF no
dia 15 acabou mais cedo.
Braga
Netto manda pressionar chefe do Exército: 'Oferece a cabeça dele. Cagão'
A
pressão sobre o comandante do Exército continua, Braga Netto orienta Ailton
Gomes a assediar o comandante do Exército, general Freire Gomes: ''Oferece a
cabeça dele. Cagão'', dizia a troca de mensagens.
A
trama inclui ainda o documento ''Operação 142'', que previa anulação das
eleições, substituição do TSE e prorrogação de mandatos.
Bolsonaro
não passa faixa para Lula
Em
30 de dezembro, Bolsonaro embarca para a Flórida, evitando passar a faixa
presidencial.
2023
Posse
de Lula e desfecho do plano golpista.
1º
DE JANEIRO DE 2023
Lula
toma posse diante de centenas de milhares de pessoas em Brasília.
8
DE JANEIRO DE 2023
STF,
Planalto e Congresso são invadidos.
Na
tarde de domingo, milhares de golpistas invadem o Congresso, o Palácio do Planalto
e o STF. Eles quebraram vidraças, destruíram obras de arte e saquearam
gabinetes.
A
pauta era a mesma: intervenção militar e contestação do resultado eleitoral.
O
comportamento de Jair Bolsonaro nas redes sociais, no dia 8 de janeiro de 2023,
não altera a realidade de que foi o principal responsável pela contínua
radicalização e pela criação do ambiente que possibilitou a explosão de
violência naquele dia. Suas posturas ambíguas e sua ausência de ação concreta
para conter os ânimos inflamados por ele próprio são indícios claros de sua
contribuição para a escalada de violência. [Paulo Gonet]
Segundo
o Ministério Público, os ataques de 8 de janeiro não foram um ato isolado, mas
o desfecho de um plano gestado ao longo de dois anos, com articulação política,
militar e digital para derrubar a democracia brasileira.
Para
a PGR, as ações de Jair Messias Bolsonaro não se limitaram a uma postura
passiva de resistência à derrota, mas configuraram uma articulação consciente
para gerar um ambiente propício à violência e ao golpe.
2025
Bolsonaro
preso em casa
Um
mês antes do início do julgamento no STF, Bolsonaro passou a cumprir prisão
domiciliar por tentativa de dificultar o andamento do processo que investiga o
golpe de estado.
O
ex-presidente e o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), foram indiciados
pela PF por coação.
O
que dizem os réus
Jair
Bolsonaro
Afirma
que a acusação da PGR é ''absurda e alternativa'', sem provas que o liguem a
planos golpistas ou aos atos de 8 de janeiro. Sustenta que houve uma transição
regular de governo, que ele não alterou a minuta do golpe nem apresentou
documentos golpistas em reuniões, e que suas críticas ao sistema eleitoral se
limitaram a opiniões políticas.
General
Paulo Sérgio Bezerra
Nega
ter atrasado o relatório das Forças Armadas e afirma que tentou, com outros
comandantes, dissuadir Bolsonaro de atitudes radicais, chegando a propor um
discurso de reconhecimento da derrota eleitoral.
Almirante
Almir Garnier
Rebate
a acusação de ter disponibilizado tropas para um golpe, destacando contradições
em depoimentos de outros comandantes. Afirma que não houve qualquer ato de
execução e que não participou de organização criminosa.
General
Augusto Heleno
Nega
envolvimento em tentativa de ruptura institucional, alegando falta de provas
que o liguem a planos de golpe. Afirma que sua atuação foi apenas ''acessória e
periférica'', pois já tinha pouca influência política.
Anderson
Torres
Nega
ser autor da ''minuta do golpe'' e afirma que a presença do documento em sua
casa não tem relevância penal. Rejeita a acusação de divulgar informações
falsas sobre o sistema eleitoral ou de ter direcionado a PRF no 2º turno,
citando testemunhos favoráveis. Alega ainda que o caso deveria tramitar na 1ª
instância, por não possuir foro privilegiado.
Alexandre
Ramagem
Nega
ter orientado Bolsonaro em ataques ao sistema eleitoral ou usado indevidamente
a Abin. Afirma nunca ter integrado organização criminosa e sustenta que a
radicalização ocorreu após sua saída do governo, quando foi eleito deputado.
Link
da reportagem: https://g1.globo.com/politica/julgamento-bolsonaro-no-stf-trama-do-golpe/
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