Citação a Bolsonaro em transmissão jogo
da seleção fere a legislação, dizem especialistas
Yahoo Notícias Redação Notícias
14 de outubro de 2020
Neymar comemora o terceiro gol sobre o
Peru
A transmissão do jogo entre Brasil e
Peru, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, na noite desta terça-feira, pela TV
Brasil, feriu a legislação brasileira. Essa é a opinião de especialistas
ouvidos pelo O GLOBO, uma vez que a partida, cujos direitos de transmissão
foram comprados horas antes pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e
cedidos à TV Brasil, virou um instrumento para propaganda do governo de Jair
Bolsonaro.
— Canais públicos de comunicação não
estão à serviço do governo. Para isto, existem os órgãos de comunicação
estatal. Essa diferenciação está prevista na Constituição (artigo 220 que
especifica três sistemas, público, privado e estatal). E, no jogo da seleção,
ficou evidente que o caráter público que deu origem à TV Brasil e está previsto
em lei, está sendo dizimado pelo governo de Jair Bolsonaro. Ela se transformou
numa TV governamental, ao arrepio da lei — observa Bia Barbosa, jornalista e
pesquisadora da área de regulação de mídia e mestre em políticas públicas.
— Segundo a lei da EBC (Empresa Brasil
de Comunicação) é clara a separação entre a comunicação pública e do governo.
Um locutor (André Marques) ficou agradecendo em nome da Secretaria de
Comunicação da Presidência da República à CBF e mandando abraço para o
presidente. Texto lido, escrito. Uma propaganda governamental, numa televisão cuja
lei diz que é pública. O Brasil não tem uma história de constituição de
comunicação pública.
Bia se refere à lei 11.652, de abril de
2008, que institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão
pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua
administração indireta, e que diz que "é vedada qualquer forma de
proselitismo na programação das emissoras públicas de radiodifusão".
A lei rege a Empresa Brasil de
Comunicação (EBC), empresa pública federal que possui um conglomerado de mídia
no Brasil, incluindo a TV Brasil (criada em 2007 para prestar serviços de
radiodifusão pública e gerir as emissoras de rádio e televisão públicas
federais).
Bia também fez uma comparação do jogo da
seleção de futebol com o caso de Carol Solberg, que no mesmo dia, em julgamento
no STDJ do vôlei, foi punida com advertência ao falar de política em uma
partida do Circuito Brasileiro. Ela diz que há "violação da ética
esportiva para alguns", mas "mandar abraço ao presidente na TV
pública não é uma violação também da ética esportiva."
O especialista em comunicação pública,
João Batista de Abreu, professor da Universidade Federal Fluminense, cujo
mestrado foi sobre a imprensa na Ditadura Militar, diz que a transmissão do
jogo da seleção de Tite o fez lembrar da Copa do Mundo de 1970, quando o Brasil
vivia uma ditadura:
— Ficou claro o uso político do governo
Bolsonaro numa transmissão esportiva que tem a seleção brasileira como a sua
principal atração. Este tipo de conduta lembra a exploração política dos
governos militares, em particular do ditador Médici (o general Emílio
Garrastazu Médici), na Copa de 70. Este é um canal público e não do governo e
serviu aos interesses do governo — comentou.
Ele explica que neste caso ficou
evidente a interferência do governo no Estado, característica de um governo
não-democrático.
— Quando o lucutor da transmissão faz
referência ao Bolsonaro (presidente Jair Bolsonaro), me veio à cabeça as
transmissões da Copa do Mundo de 1970, quando um locutor específico fazia
apologia ao Médici e criava bordões, como 'presidente pé-quente, presidente
gente como a gente', que fazia parte de um projeto para melhorar a imagem do
Médici — disse Abreu, que compara ainda a TV Brasil com a inglesa NBC, também
pública. — Deveria ser como a NBC. Acredito que ontem, houve uma orientação de
cima para que o locutor fizesse essa referência. No segundo tempo, fica claro
que ele leu algum comunicado.
A TRANSMISSÃO
No jogo desta terça-feira, o narrador da
TV Brasil mandou um abraço do secretário-executivo do Ministério de Comunicações,
Fábio Wajngarten, para o presidente da CBF, Rogério Caboclo, e para outros
dirigentes da entidade, agradecendo o presente. Em seguida, mandou um abraço
para o presidente da República, Jair Bolsonaro. A saudação foi repetida no
segundo tempo, dando a impressão de um texto pronto.
No intervalo, houve um noticiário sobre
novas regras para a carteira de motorista, com longo tempo para explicações do
presidente Bolsonaro, e outra matéria exaltava os investimentos e esforços do
Ministério do Meio Ambiente para combate às queimadas no Pantanal, com direito
a fala do ministro Ricardo Salles.
Antes do jogo, na manhã de terça-feira,
o secretário-executivo do Ministério de Comunicações, Fábio Wajngarten, disse
que pediria autorização à CBF para transmissão do jogo na TV Brasil. Mas a
entidade não tinha os direitos do jogo e, por isso, avisou o governo que não
tinha o poder de dar esse aval. Essa era a posição da confederação até o início
da noite.
Pouco mais de uma hora antes do jogo, no
entanto, CBF anunciou que comprou os direitos de transmissão da Mediapro e os
cederia à TV Brasil. Wajngarten festejou a participação do governo na
transmissão: "O Brasil não deixará de assistir ao jogo do Brasil contra o
Peru, hoje às 21hs. A TV Brasil transmitirá a partida graças à colaboração da
CBF."
da agência O Globo
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