Entrevista
GENERAL HAMILTON MOURÃO, VICE-PRESIDENTE
DA REPÚBLICA
"É difícil punir o responsável pelo
desmatamento"
Adnilton Farias/VPR
Germano Oliveira
Edição 16/10/2020 - nº 2649
De ascendência indígena, o
vice-presidente da República, Hamilton Mourão, diz que a Amazônia não está
sendo devastada e que “84% da floresta ainda está em pé, preservada”. Como
presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, no entanto, o general
reconhece que os desmatamentos e queimadas, sobretudo em terras indígenas,
áreas de conservação e em terras devolutas — que representam um terço das
regiões atingidas pelos crimes ambientais —, são os que mais preocupam o
governo. Afirma que o enfraquecimento dos órgãos ambientais responsáveis pela
atuação contra os criminosos que agem nas regiões com florestas vem de governos
anteriores: “Herdamos agências ambientais com efetivos reduzidos e os
criminosos se aproveitaram disso”.
Mourão informou que vem dialogando com
os países que aplicavam recursos no Fundo Amazônia, como Alemanha e Noruega,
para que voltem a financiar ações de repressão aos crimes ambientais. “Eles
estavam acostumados a entregar o gerenciamento dos recursos às ONGs e a mudança
nesse sistema trouxe desconfiança num primeiro momento. “ Mourão preferiu não
abordar, porém, assuntos fora da pauta ambiental, como os elogios que fez, na
semana passada, em entrevista a uma TV alemã, ao coronel Brilhante Ustra. Eis
os principais trechos da entrevista exclusiva do vice-presidente à ISTOÉ.
O
Inpe mostra que o desmatamento aumentou 34% nos últimos 12 meses na Amazônia,
mas o senhor contesta esses números, certo?
Ninguém desacredita dos dados de
queimadas e desmatamento. O que eu sempre falo é que esses números precisam vir
acompanhados de uma análise de inteligência. O Inpe apresenta valores brutos:
tem x focos de calor e y hectares desmatados. Esses dados precisam vir acompanhados
de uma análise qualitativa. Os valores brutos não mostram, por exemplo, quantos
focos de calor efetivamente são queimadas e não distinguem os desmatamentos
ilegais dos legais, que são aqueles ocorridos dentro dos 20% de terra que, de
acordo com a nossa legislação, podem ser explorados.
Dizer
que a Amazônia pode virar savana é uma narrativa equivocada. A Amazônia não
está sendo devastada. Muito pelo contrário. Somos o país que tem a matriz energética
mais limpa do mundo. Tem como reduzir as queimadas?
O combate ao desmatamento e às queimadas
ilegais é prioridade do governo, que, em fevereiro de 2020, recriou o Conselho
Nacional da Amazônia Legal com o objetivo de integrar e coordenar as ações
governamentais, e me delegou a missão de presidi-lo. Nesse sentido, em maio
deste ano, deflagramos a Operação Verde Brasil 2, que já conta com resultados
expressivos no combate a esses crimes ambientais. No entanto, também defendemos
o processo de regularização fundiária como importante ferramenta no combate ao
desmatamento ilegal. Atualmente é difícil punir o responsável pelo desmatamento
porque a dinâmica desregulada de ocupação e exploração do território nos
dificulta identificar e punir os proprietários das áreas em que estão ocorrendo
esses delitos ambientais.
As
imagens do Inpe mostram também grandes focos de incêndios, cujo combate estaria
sendo pouco efetivo. As queimadas estão incontroláveis?
De forma alguma. Essa questão nos remete
à minha explicação anterior sobre os dados do Inpe serem apresentados na forma
bruta, sem uma análise qualitativa ou de inteligência. Os satélites apontam
como focos de calor toda temperatura na superfície terrestre acima de 47ºC. Ou
seja, não indicam necessariamente queimadas ou incêndios. Quando você olha as
áreas urbanas, por exemplo, todas elas aparecem no mapa como focos de calor.
Assim, precisamos saber quais deles efetivamente são queimadas e se estão
ocorrendo em áreas recentemente desmatadas, em terras indígenas, unidades de
conservação ou em áreas regeneradas. De uma maneira geral, hoje o quadro de
queimada é o seguinte: 1/3 está ocorrendo em área particular, podendo ser
legal, se estiver na parcela de 20% permitida pela lei, ou ilegal se estiver
avançando dento da área da reserva legal. O segundo terço, que mais me
preocupa, está ocorrendo em terra indígena, em unidade de conservação e em
terra devoluta. Esse é o problema sério que o governo tem que enfrentar. E o
terceiro terço é registrado em área urbana, em assentamento, que não é tão problemático.
A
comunidade internacional e ecologistas brasileiros dizem que o quadro na
Amazônia e no Pantanal é catastrófico.
O Brasil não é o vilão da
sustentabilidade. A Amazônia não está sendo devastada. Muito pelo contrário,
somos aqueles que têm a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo.
Temos mais de 60% do nosso território com a cobertura vegetal original e 84% da
floresta Amazônica está em pé, preservada. A área que corresponde ao arco da
presença humana na região amazônica, onde não temos mais florestas, corresponde
a apenas 16%. Vamos lembrar o seguinte: quando a humanidade iniciou os seus
primeiros passos, a Europa tinha 7% das florestas e o Brasil, 9%. Hoje, a
Europa tem 0,1% e o Brasil, 28%. Então, fica claro que nós preservamos mais.
Essa narrativa faz parte do jogo que estamos vivendo, o jogo de pressões.
O
senhor tem dito que os focos de incêndio na Amazônia são superdimensionados…
No Bioma Amazônia existem cerca de
530.000 imóveis rurais, de acordo com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Em aproximadamente 25.000 ocorrem queimadas ilegais, ou seja, em 5% das
propriedades. Essa é a dimensão do problema a ser enfrentado, com paciência,
determinação e clareza.
Os
críticos do governo dizem que o Ministério do Meio Ambiente é negligente e que
desestruturou todos os órgãos de controle ambiental, como o Ibama e o ICMBio.
Sua pergunta foi muito bem colocada. Os
“críticos do governo” têm reproduzido uma narrativa enviesada. Herdamos as
agências ambientais com efetivos reduzidos e capacidade operacional debilitada.
Ao final de sete anos de restrições fiscais, os órgãos de combate aos delitos
ambientais viram seus quadros de agentes de fiscalização diminuir pela metade e
o desmatamento crescer. Naquele cenário, oportunistas e criminosos que atuavam
na selva amazônica perceberam a chance para ampliar suas atividades. O governo
está trabalhando para reverter esse quadro.
O
senhor entende que o enfraquecimento desses órgãos se deve ao fato de o Brasil
ter perdido recursos internacionais que recebia da Alemanha e Noruega?
O enfraquecimento dos órgãos ambientais
ocorrido nos governos anteriores, quadro crítico que atualmente buscamos
reverter, se deu pela falta de recomposição adequada de recursos, bem como pela
ausência de apoio a investimentos sustentáveis e de planejamento adequado para
a área. As abordagens também eram centradas na repressão e nos crimes
ambientais, demonstrando-se onerosas e pouco eficientes. Em relação à perda dos
recursos do Fundo Amazônia, os países investidores estavam acostumados com um
Brasil que havia entregue o gerenciamento da conservação da sua Floresta
Amazônica exclusivamente às ONGs. A visão moderna do governo Bolsonaro, de tomar
a frente desse gerenciamento e de que a repressão aos crimes ambientais deve
ocorrer em paralelo ao desenvolvimento econômico sustentável, em prol dos 25
milhões de brasileiros que vivem na região amazônica, trouxe desconfiança, num
primeiro momento.
O
uso do fogo para limpeza e preparo do terreno em atividades agropastoris (por
parte de indígenas e colonos) é arcaico e não tem mais espaço no mundo em que
vivemos
A
comunidade internacional deveria colaborar mais com o Brasil para a manutenção
das nossas florestas?
O Brasil é capaz de cuidar do seu meio
ambiente. Nenhuma nação preservou tanto a sua vegetação nativa como nós. Como
já citei, temos 66% da cobertura vegetal intacta e 84% no caso da Amazônia. No
entanto, brasileiros e estrangeiros que tenham interesse na preservação da
floresta Amazônica e em seu desenvolvimento sustentável com segurança, justiça
e oportunidade para todos os milhões de brasileiros que ali vivem serão
bem-vindos.
Cientistas,
como Carlos Nobre, dizem que se o desmatamento e queimadas continuarem no ritmo
em que estão em breve a Amazônia pode virar savana. O que o senhor acha disso?
Essa narrativa está equivocada. Em
complemento ao que já informei, acrescento que o desmatamento na Amazônia teve
queda pelo terceiro mês consecutivo, obtendo redução de 33% em setembro, 26% em
julho e 21% em agosto, comparado com o mesmo período de 2019. Já os focos de
calor no bioma Amazônia, em setembro de 2019, ficaram abaixo da média histórica
no mesmo período, a qual considera os últimos 23 anos. O governo permanece
atuante na preservação, proteção e desenvolvimento da Amazônia, para reduzir
ainda mais a curva de desmatamento e queimadas ilegais e proporcionar dignidade
aos mais de 25 milhões de brasileiros que vivem na região.
Mas
os madeireiros a mineradores agem livremente…
É preciso destacar os esforços do
governo no sentido de impedir e combater as ilegalidades ambientais, como a
recriação do Conselho Nacional da Amazônia Legal, o Decreto de Moratória do
Fogo e a Operação Verde Brasil 2, que até o dia 1º deste mês aplicou R$ 1,389
bilhão em multas, combateu 6.842 focos de incêndio, apreendeu 991 embarcações,
345 veículos e 173 mil metros cúbicos de madeira ilegal. Efetuou ainda 171
prisões, realizou mais de 39 mil inspeções navais e terrestres, vistorias e
revistas em embarcações e 371 inspeções em madeireiras, serralharias e
fazendas. Foram confiscados ou destruídos, 755 veículos de garimpo, balsas,
tratores, escavadeiras e máquinas agrícolas, dentre outros equipamentos.
O
presidente Bolsonaro disse na ONU que os incêndios na Amazônia são provocados
por índios e caboclos. O senhor concorda?
Apesar de ser uma forma ultrapassada e
desinformada de lidar com o meio ambiente, o uso do fogo para limpeza e preparo
do terreno em atividades agropastoris é uma tradição que ainda persiste em
muitas comunidades. Há, ainda, a questão econômica, por ser o método mais
barato e rápido. Esse tipo de preparação de terra é arcaico e pelos riscos que
apresenta não tem mais espaço no mundo em que vivemos.
O
senhor diz que o governo adota uma das melhores políticas de controle ambiental
do mundo.
Temos uma legislação muito mais
restritiva do que a de outros países. A Constituição de 1988 dedicou um
capítulo inteiro ao tema meio ambiente, considerando-o patrimônio público. Ou
seja, bem de uso comum do povo, essencial à qualidade de vida e que deve ser
defendido e preservado para as gerações presentes e futuras.
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