Pego com dinheiro nas nádegas, Chico
Rodrigues está no 'top 10' de senadores com mais emendas liberadas em 2020
BBC News Brasil
André Shalders e Matheus Magenta - Da
BBC News Brasil em Brasília e Londres
BBC News Brasil
15 de outubro de 2020
O senador Chico Rodrigues (DEM-RR) é um
dos políticos que mais conseguiram liberar dinheiro de emendas em 2020. Até
esta terça-feira (13/10), o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) empenhou R$
15.637.645,00 em emendas do roraimense, fazendo dele o oitavo senador com mais
dinheiro liberado.
Rodrigues foi alvo nesta quarta-feira (14/10)
de uma operação conjunta da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia
Federal para apurar desvios de verbas destinadas ao combate à pandemia do novo
coronavírus. O dinheiro desviado teria vindo justamente de emendas
parlamentares, de acordo com a Polícia Federal.
O suposto esquema teria desviado até R$
20 milhões em verbas públicas por meio de licitações fraudulentas, segundo os
investigadores.
Emendas parlamentares são modificações
sugeridas por senadores ao Orçamento da União. Geralmente são usadas pelos
políticos para direcionar recursos aos lugares onde eles têm votos.
Podem ser usadas para custear serviços
públicos (como um posto de saúde, uma escola) ou para investimentos (como o
asfaltamento de uma rua).
Neste caso os recursos eram geridos pela
secretaria estadual de saúde de Roraima, e deveriam ser utilizados para a
compra de equipamentos de proteção e testes para detecção de covid-19. A
investigação apontou direcionamento de licitação para empresas específicas,
sobrepreço e superfaturamento nas contratações.
A CGU e a PF não divulgaram qual seria o
papel de Chico Rodrigues no suposto esquema.
Dos 81 senadores, apenas sete tiveram
mais recursos liberados em 2020 que Chico Rodrigues. Quem mais teve recursos
empenhados foi o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), com R$ 15,9
milhões. Em seguida vêm Jayme Campos (DEM-MT) e Angelo Coronel (PSD-BA), também
com R$ 15,9 milhões.
No caso de Chico Rodrigues, os
ministérios que mais liberaram recursos foram o da Defesa (com R$ 7,2 milhões
empenhados) e o da Saúde, com R$ 8,1 milhões.
No caso do Ministério da Saúde, os R$
8,1 milhões destinados por Chico Rodrigues deveriam ter ido para o
"incremento temporário ao custeio dos serviços de atenção básica em
saúde". Diferentemente da Defesa, no caso da Saúde os recursos já foram
empenhados e pagos.
A operação deflagrada nesta quarta foi
batizada de Desvid-19 e incluía o cumprimento de sete mandados de busca e
apreensão na cidade de Boa Vista (RR), entre eles a casa do senador Chico
Rodrigues na capital de Roraima.
Foram encontrados ali quase R$ 30 mil, e
parte das notas de dinheiro estaria entre as nádegas do senador. O flagrante
foi registrado pela PF em fotos e vídeos, mas o material não foi divulgado.
Na tarde desta quinta-feira (15/10), o
ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso determinou o
afastamento de Chico Rodrigues do cargo.
Agora, o plenário do Senado precisa
decidir se referenda ou não a remoção. Antes da decisão de Barroso, Jair
Bolsonaro tinha determinado o afastamento de Rodrigues do posto de vice-líder
do governo no Senado, o que aconteceu no começo da tarde desta quinta-feira.
Em nota, Rodrigues afirmou que vai
provar que não tem "nada a ver com qualquer ato ilícito".
"Acredito na justiça dos homens e na justiça divina. Por este motivo estou
tranquilo com o fato ocorrido hoje em minha residência em Boa Vista, capital de
Roraima".
Segundo ele, seu lar foi "invadido
por apenas ter feito meu trabalho como parlamentar, trazendo recursos para o
combate ao covid-19 para a saúde do estado". No caso da Defesa, o dinheiro
se destina à "implementação de infraestrutura básica nos municípios da
região do Programa Calha Norte". Esta área abrange 15 municípios de
Roraima, Estado do senador.
Ao longo da pandemia, diversas operações
policiais atingiram governos estaduais acusados de desvios de verba para o
combate à doença. Mas essa é a primeira vez que investigações respingam no
governo federal.
Proximidade com Bolsonaro e autoridades
do governo
Com longa carreira na política, Chico
Rodrigues é bastante próximo do presidente Bolsonaro.
Os dois conviveram por duas décadas no
Congresso, onde se tornaram amigos. Depois de eleito presidente, Bolsonaro
escolheu Chico como um dos vice-líderes de seu governo no Senado. O senador,
por sua vez, deu emprego para um primo próximo dos filhos do presidente.
Em vídeo que circula nas redes sociais,
Rodrigues afirma: "Quero aqui agradecer ao meu amigo Jair Bolsonaro, de 20
anos de Câmara dos Deputados, desde aqueles idos tempos de…", quando é
interrompido por Bolsonaro: "É quase uma união estável, hein, Chico?
(risos)."
Desde julho, o senador publicou fotos em
suas redes sociais de encontros com Bolsonaro, o vice-presidente da República,
Hamilton Mourão, e os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Onyx
Lorenzoni (Cidadania), Luiz Ramos (Secretaria de Governo), Jorge Oliveira
(Secretaria Geral da Presidência), além de Mario Frias (Secretaria Especial de
Cultura).
Em suas postagens com autoridades
federais, Rodrigues geralmente trata de assuntos ligadas a Roraima, a exemplo
da chegada de venezuelanos ao Estado e da construção do Linhão de Tucuruí, que
deveria interligar a rede elétrica entre Manaus e Boa Vista, mas não sai do
papel por causa de impasses acerca do impacto em terras indígenas.
Em 2019, Rodrigues foi convidado pelo
presidente para integrar a comitiva presidencial que visitou Israel. Em vídeo
gravado pouco antes da viagem, o colega Flávio Bolsonaro (PRB-RJ) afirma:
"É uma grande honra para nós tê-lo aqui no nosso time. (...) A gente conta
muito com a sua experiência durante esse governo. Então, é um reforço
importante pro time".
Como vice-líder, Chico Rodrigues tinha a
função de falar em nome do governo e de ajudar o líder do governo no Senado,
Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), a orientar os senadores governistas durante
as votações em plenário, além de substituir eventualmente o líder em suas
ausências.
Além do cargo de vice-líder do governo
no Senado, ele também empregou em seu gabinete o assessor Leonardo Rodrigues de
Jesus, conhecido como Léo Índio, que é primo dos três filhos mais velhos de
Bolsonaro. O cargo tem salário bruto de R$ 22,9 mil, e em setembro deste ano,
Léo Índio levou para casa R$ 16,9 mil líquidos.
Nomeado para o posto em abril de 2019,
ele é filho de uma irmã de Rogéria Nantes, primeira mulher do presidente. Morou
um período com o primo Carlos Bolsonaro, e atuou como assessor informal dele na
Câmara Municipal do Rio até ser alocado no gabinete de Rodrigues.
À época da contratação, o senador disse
que Léo Índio não tinha sido indicado pelos Bolsonaros. "A escolha foi
feita pela experiência e articulação no meio político, e isso me pareceu ser
muito útil para o nosso mandato", disse.
Léo Índio já foi alvo de quebra de
sigilo na investigação que apura suspeitas de um esquema de rachadinhas no
gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
"Rachadinha" é a prática ilegal na qual assessores devolvem parte dos
salários para o político que os emprega. Não há nenhuma acusação formal contra
Léo Índio neste caso, e Flávio Bolsonaro nega qualquer irregularidade.
Investigações e ficha-suja
Ao longo de sua carreira política, Chico
Rodrigues foi eleito para cinco mandatos como deputado federal, entre 1991 e
2011, sendo quatro pelo PTB e um pelo DEM, partido ao qual é filiado
atualmente.
A investigação deflagrada nesta semana
não é a primeira envolvendo Rodrigues.
Em 2014, ele era vice-governador de
Roraima pelo PSB e chegou a governar o Estado por alguns meses após a saída de
José de Anchieta (PSDB), que renunciou concorrer ao Senado.
Chico, porém, acabou cassado do cargo
pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) naquele mesmo ano, por gastos
irregulares na campanha eleitoral. A decisão foi confirmada pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE).
Ele se tornou ficha-suja, mas acabou
autorizado pela Justiça Eleitoral a concorrer em 2018 ao Senado.
Rodrigues também foi sancionado pelo
Tribunal de Contas da União (TCU) por causa de promoções indevidas de oficiais
do Corpo de Bombeiros no período em que governou Roraima. Apesar do nome, o TCU
é um órgão de assessoria do Congresso, e não faz parte do Poder Judiciário.
Em meados da década passada, ele foi
investigado por irregularidades nas prestações de contas com gastos
parlamentares de combustível, no escândalo que ficou conhecido como Farra dos
Combustíveis.
Rodrigues chegou a admitir que
registrava na rubrica de combustível gastos de outra natureza, que não
emitiriam nota fiscal. Acabou absolvido.
Na nota divulgada após a operação desta
semana, Rodrigues afirmou: "Tenho um passado limpo e uma vida decente.
Nunca me envolvi em escândalos de nenhum porte. Se houve processos contra minha
pessoa no passado, foi provado na justiça que sou inocente. Na vida pública é
assim, e ao logo dos meus 30 anos dentro da política conheci muita gente mal
intencionada a fim de macular minha imagem".
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