Deputados apresentam projetos para
barrar decreto que separa alunos com deficiência
Norma publicada nesta quinta-feira pelo
governo federal prevê turmas e escolas especializadas. Para especialistas,
modelo gerará exclusão dos estudantes.
Por Elisa Clavery, TV Globo — Brasília
02/10/2020 13h15 Atualizado há uma hora
Deputados federais apresentaram projetos
de decreto legislativo para derrubar, no Congresso, o decreto do presidente
Jair Bolsonaro que cria a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE) e,
entre as diretrizes, prevê turmas e escolas especializadas para atender
estudantes com deficiência. A medida é vista por especialistas como um fator de
exclusão dos estudantes (veja mais abaixo).
Na Câmara, pelo menos três propostas
foram apresentadas por parlamentares da oposição entre quinta (1º) e
sexta-feira (2). Para derrubar a decisão, porém, os projetos precisam ser
votados em plenário e aprovados pela Câmara e pelo Senado.
Para a bancada do PSOL, autora de um dos
projetos, a norma publicada pelo governo "promove a segregação, no sistema
educacional brasileiro, do público-alvo da educação especial, ignorando os
avanços obtidos por meio da inclusão massiva desses estudantes ocorrida na
última década".
O partido também aponta que o decreto
"favorece a alocação de recursos públicos em instituições privadas, terceirizando
o que é dever do poder público e prejudicando a necessária – e urgente –
ampliação dos investimentos na escola pública".
Os parlamentares também argumentam que
há violações constitucionais no decreto e citam compromisso firmado pelo Brasil
na Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) e o Estatuto da Pessoa com
Deficiência, que garantem às pessoas com deficiência o pleno acesso à educação.
Deputados do PT, que também apresentaram
proposta para derrubar a norma, afirmam que "a nova política traz a ideia
de especialização e exclusividade, algo abandonado há quase 20 anos".
Além disso, os parlamentares do partido
"consideram grave" que a mudança seja feita por meio de decreto, sem
a participação do Congresso.
"São mudanças que necessitam de
amadurecimento e participação da população, professores, educadores, comunidade
médica e acadêmica", diz a justificativa do projeto.
O decreto
A nova política do governo federal foi
publicada na quinta (1º) no Diário Oficial da União. A adesão de estados e
municípios é voluntária e prevê repasses.
Na cerimônia de lançamento, o Ministro
da Educação, Milton Ribeiro, disse que a nova política foi feita para atender
famílias que precisam de alternativas às escolas regulares.
"Urge reconhecer que muitos estudantes
não estão sendo beneficiados com a inclusão em classes comuns e que estudantes,
familiares, professores e gestores escolares clamam por alternativas",
disse na ocasião. "Um dos principais norteadores dessa política nacional é
a valorização das singularidades e do direito dos estudantes e das famílias no
processo de decisão sobre as alternativas mais adequadas para o atendimento
educacional especializado", afirmou Ribeiro na ocasião.
O número de matrículas da educação
especial chegou a 1,3 milhão, segundo o Censo Escolar 2019. Deste percentual,
cerca de 90% dos alunos estão em classes comuns - número que vem aumentando
gradativamente, segundo o levantamento.
Especialistas criticam
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
emitiu nota nesta quinta-feira (1º) sobre a política lançada pelo MEC e afirmou
que ela apresenta "graves retrocessos para a educação inclusive".
"É importante ressaltar que a
discussão não versa sobre um direito de ‘escolha’, mas sim, em especial, acerca
da garantia dos direitos da pessoa com deficiência no sistema educacional, da
ampliação da acessibilidade e das adaptações para a permanência em qualquer
instituição de ensino e do cumprimento de normas constitucionais e
infraconstitucionais."
Ainda segundo a nota, Comissão Nacional
de Direitos da Pessoa com Deficiência da ordem deve elaborar um estudo a
respeito do tema para embasar o Conselho Federal da entidade a respeito de
possíveis medidas, inclusive judiciais, se for o caso, "a serem tomadas no
sentido de evitar qualquer retrocesso na efetivação dos direitos das pessoas
com deficiência".
Para o professor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), Régis Henrique dos Reis Silva, doutor em
filosofia e história da educação, a nova política retoma práticas que já foram
implementadas no Brasil nos anos 1970 e 1980 e, aos poucos, foram dando espaço
para a inclusão de todos os alunos.
"Não é uma ruptura, mas a diferença
é o modo como isso vai ser organizado e estruturado. Além disso, chama a
atenção a responsabilidade que o documento dá para a decisão das famílias,
delega a escolha para elas", afirma.
Com isso, as famílias podem se sentir
pressionadas a matricularem os filhos em instituições especializadas, e pode
levar ao enfraquecimento da inclusão na escola regular.
Luiza Correa, coordenadora de advocacy
do Instituto Rodrigo Mendes, organização que defende que toda pessoa com
deficiência tenha uma educação de qualidade na escola comum, a política é um
"um imenso retrocesso".
"A gente vem caminhando há anos,
lutando pela inclusão, e essa política vem no sentido inverso", analisa.
O que diz o MEC
Questionado sobre as críticas de
especialistas, o MEC emitiu a seguinte nota:
A PNEE apresentada pelo Governo Federal
amplia a área da educação especial, oferece aos sistemas educacionais
possibilidades de criar alternativas educacionais além das escolas comuns
inclusivas, como: escolas e classes especializadas, escolas e classes bilíngues
de surdos, amplia alternativas para viabilizar o atendimento educacional
especializado como uma diretriz constitucional (art. 208 da Constituição
Federal de 1988).
Um dos princípios fundamentais é o
direito do estudante e da família na escolha da alternativa mais adequada para
a educação do público-alvo desta Política.
O objetivo é garantir aos estudantes com
deficiência, com transtorno globais do desenvolvimento e com altas habilidades
uma formação integral.
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