quinta-feira, 24 de abril de 2014

As Armadilhas da Simplificação! [Revista Veja]

Os crimes bárbaros abalam nossa confiança no futuro. Para controlar a angústia, somos tentados a formular hipóteses simplificadoras. As explicações reducionistas exorcizam o medo, mas não ajudam a esclarecer a complexidade da violência em nossa sociedade. No repertório das especulações, as campeãs são: "mais polícia na rua", "pobreza", "desigualdade" e "vontade política".

Mais polícia? Pesquisas internacionais mostram que mais do mesmo não resolve. Se a presença não se orientar por diagnósticos precisos, não adianta. Por falar em policiamento ostensivo, nós todos ficamos chocados quando policiais escolhem os pobres e, entre eles, os negros para revistar numa blitz. Esse procedimento fere nossas convicções humanistas e igualitárias. Entretanto, achamos perfeitamente natural e até edificante que políticos bem-intencionados digam que o crime é conseqüência da pobreza. Alguém já parou para pensar nesse paradoxo? O comportamento do policial é apenas a aplicação prática daquilo que está implícito na teoria do político. Por que então o primeiro é racista e o segundo um democrata sincero? Aparentemente contrárias, as atitudes de ambos têm uma conexão surpreendente, o que demonstra que a teoria é tão ruim quanto a prática que inspira. Ser pobre não torna ninguém criminoso. Os Estados mais miseráveis não são os recordistas em criminalidade.

Outro argumento que logo ocorre a quem é sensível aos dramas sociais aponta para a desigualdade como a causa do crime. Sai a pobreza, entra a desigualdade, mas o raciocínio tampouco se sustenta. Há muitos exemplos de sociedades desiguais, inclusive de castas, ou com regimes monárquicos profundamente hierarquizados, com poucos crimes. O fato é que nossos comportamentos sociais são aprendidos, assimilados no processo espontâneo da educação. Nenhum fator social age sozinho ou diretamente sobre nós. Entre o fator social e nossos atos, há os valores que assimilamos desde a infância, há nossas emoções e a cultura, ou seja, o modo como nosso grupo decifra a realidade em que vive e autoriza ou inibe reações violentas. A violência e o crime que praticamos são comportamentos nos quais somos "educados". Pelas mesmas razões, pode haver uma educação para a paz.

Uma tese que faz sucesso, talvez porque permite farta manipulação política, é aquela que atribui a insegurança à falta de "vontade política" das autoridades. Como se os gestores públicos soubessem muito bem como resolver os problemas e deixassem de fazê-lo por inapetência ou desapreço pelo cumprimento do dever. Essa acusação traz consigo a suposição mistificadora de que os críticos, se estivessem no poder, saberiam exatamente o que fazer. E, dado que têm vontade, resolveriam os problemas.

Para evitar esses equívocos, é preciso pensar em toda essa problemática com mais humildade intelectual. As explicações para a violência e o crime não são fáceis. Sobretudo, é necessário evitar a armadilha da simplificação. Não existe o crime, no singular. Há uma diversidade imensa de práticas criminosas, associadas a dinâmicas sociais muito diferentes. Por isso, não faz sentido imaginar que seria possível identificar apenas uma causa para o universo heterogêneo da criminalidade. Os roubos praticados nas esquinas por meninos pobres, que vivem nas ruas cheirando cola, abandonados à própria sorte, sem acesso à educação e ao amor de uma família que os respeite, evidentemente expressam esse contexto cruel. É claro que esses crimes são indissociáveis desse quadro social. O mesmo vale para o varejo das drogas, nas periferias: juventude ociosa e sem esperança é presa fácil para os agenciadores do comércio clandestino de drogas. Não é difícil recrutar um verdadeiro exército de jovens quando se oferecem vantagens econômicas muito superiores às alternativas proporcionadas pelo mercado de trabalho e benefícios simbólicos que valorizam sua auto-estima e seu sentimento de poder em determinada comunidade. Por outro lado, os operadores do tráfico de armas, que atuam no atacado, lavando dinheiro no mercado financeiro internacional, não são filhos da pobreza nem da desigualdade. Suas práticas são estimuladas, para começar, pela impunidade.

Pobreza e desigualdade são e não são condicionantes da criminalidade: tudo depende do tipo de crime, do contexto intersubjetivo e do horizonte cultural a que nos referirmos. Esse quadro complexo exige políticas sensíveis às várias dimensões que o compõem. É tempo de aposentar as visões unilaterais e o voluntarismo.


Luiz Eduardo Soares (12 de março de 1954Nova Friburgo) é um antropólogocientista político e escritor brasileiro. Soares é um dos maiores especialistas em segurança pública do país. Ele foi Secretário de Segurança Pública no Rio de Janeiro, durante o governo de Anthony Garotinho, e ocupou a Secretaria Nacional de Segurança Pública no governo Lula, tendo sido afastado dos dois cargos por pressões políticas. Na carreira de escritor, Soares foi co-autor dos best-sellers Elite da Tropa e Elite da Tropa 2.

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