Prefeitura de SP tem 60 dias para apresentar plano para
renomear ruas e espaços ligados à ditadura militar
A sentença prevê que o processo de renomeação seja feito
com transparência, participação da sociedade civil e em consonância com normas
internacionais de direitos humanos. É a segunda decisão favorável ao Instituto
Vladimir Herzog. Cabe recurso.
Por Carlos Henrique Dias, g1 SP e TV Globo — São Paulo
20/05/2025 18h39
Atualizado há um dia
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Humberto de Alencar CASTELLO BRANCO - Foi um militar e
político brasileiro. Foi o 26.º presidente do Brasil, sendo o primeiro do
período da Ditadura Militar. |
A Justiça de São Paulo determinou que a Prefeitura da
capital elabore, no prazo de 60 dias, um plano de ação estruturado para
implementar uma política pública de direito à memória, voltada à substituição
de nomes de ruas e espaços públicos que homenageiam figuras associadas à
repressão durante a ditadura militar (1964-1985).
A decisão, proferida na segunda-feira (19) pelo juiz Luis
Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública, atende a uma ação civil
pública movida pelo Instituto Vladimir Herzog em parceria com a Defensoria
Pública da União. A sentença prevê que o processo de renomeação seja feito com
transparência, participação da sociedade civil e em consonância com normas
internacionais de direitos humanos.
Entre os logradouros mencionados está a Rua Trinta e Um
de Março, referência à data do golpe militar, e a Rua Dr. Octávio Gonçalves
Moreira Júnior, na Zona Oeste da cidade, apontado pelo Instituto como delegado
envolvido em torturas e desaparecimentos forçados durante o regime. Ao todo, o
juiz cita 11 casos sensíveis que estariam em desacordo com o princípio de
reparação histórica.
"A paralisação do programa Ruas de Memória implicou
em um esquecimento provocado. E, ao inverter seu sentido original — ao substituir
homenagens a vítimas da repressão — a Prefeitura incorreu em desvio de
finalidade”, afirmou o magistrado na decisão.
Esta é a segunda decisão favorável ao Instituto Vladimir
Herzog. Em dezembro de 2024, a Justiça já havia concedido uma liminar obrigando
a administração municipal a priorizar a análise de homenagens a agentes da
repressão. Após recurso da Prefeitura, a medida foi derrubada. Agora, com a
nova sentença, as obrigações tornam-se permanentes — ainda cabendo recurso.
"Preservar a memória é preservar a democracia",
diz instituto
Para o diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog,
Rogério Sottili, a decisão fortalece a necessidade de políticas públicas que
garantam o reconhecimento das vítimas da ditadura.
“Mais uma vez, a Justiça reconhece que preservar a
memória é parte fundamental da democracia. Cabe agora ao poder público cumprir
seu papel, ouvindo a sociedade e garantindo que o passado não seja apagado nem
reescrito”, disse.
Em nota, a Procuradoria Geral do Município informou que
não foi notificada sobre a sentença e, "tão logo isso ocorra,
recorrerá". "Como ainda cabe recurso, não há obrigatoriedade, por
parte da Prefeitura, de cumprimento imediato do prazo mencionado . A alteração
de nomes de vias cabe à Câmara Municipal, conforme a Lei Orgânica do Município,
exigindo a edição de uma lei específica."
Veja os endereços que terão os nomes alterados:
- Crematório Municipal de Vila Alpina – por homenagear o diretor do Serviço Funerário do município de São Paulo que dá nome ao crematório, "pessoa controversa porque viajou à Europa para estudar sistemas de cremação em momento coincidente com o auge das práticas de desaparecimento forçado";
- Centro Desportivo na Rua Servidão de São Marcos (Zona Sul) – por homenagear um general chefe do CIE (Centro de Informações do Exército);
- Marginal Tietê/Avenida Presidente Castelo Branco (Zona Norte/Centro) – Marechal de Exército, foi o primeiro presidente da República após o golpe militar;
- Ponte das Bandeiras (Zona Norte/Centro) – Nome da via foi alterado para homenagear ex-diretor do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão da repressão política durante a ditadura);
- Rua Alberi Vieira dos Santos (Zona Norte) – Colaborador do CIE, envolvido em repressão violenta.
- Rua Dr. Mario Santalucia (Zona Norte) – Médico-legista envolvido em laudos necroscópicos fraudulentos.
- Praça Augusto Rademaker Grunewald (Zona Sul) – Vice-presidente durante o período mais repressivo da ditadura.
- Rua Délio Jardim de Matos (Zona Sul) – Militar e um dos principais articuladores do golpe de 1964.
- Avenida General Enio Pimentel da Silveira (Zona Sul) – Associado ao DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) e a práticas de tortura.
- Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior (Zona Oeste) – Delegado envolvido em torturas e ocultação de cadáveres.
- Rua 31 de Março (Zona Sul) – Data que marca o golpe de 1964.
Ruas de SP e a ditadura
Rua 31 de Março, na Zona Sul; data marca o golpe de 1964
— Foto: g1
Em 2017, a capital ainda tinha 39 ruas com nomes ligados
à ditadura militar, sendo que 22 homenageavam acusados de crimes contra os
direitos humanos.
Uma das alterações mais recentes aconteceu em 2021, quando
uma rua na Zona Oeste que homenageava o delegado do Dops Sérgio Fleury,
apontado como torturador do frei dominicano Tito de Alencar Lima, recebeu o
nome do rua Frei Tito, vítima de Fleury.
Um levantamento do g1 feito em janeiro de 2024 apontou
que ainda restam oito ruas com nomes de pessoas apontadas pela Comissão
Nacional da Verdade como responsáveis por crimes cometidos durante a ditadura,
além de uma rua que celebra o dia do golpe: 31 de março.
Até janeiro do ano passado, a cidade de São Paulo tinha
48.717 endereços registrados no Arquivo Histórico Municipal. Desses, cerca de
27,8 mil (57,2%) têm nomes dados em homenagem a figuras masculinas, como
políticos, médicos, padres e militares. As mulheres dão nome a apenas 4,1 mil
vias da capital.
Ao todo, 610 endereços foram batizados em homenagem a
membros das Forças Armadas:
- Coronéis: 293 endereços
- Generais: 180 endereços
- Sargentos: 76 endereços
- Majores: 61 endereços
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